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terça-feira, 31 de julho de 2012

O Salmo 51, um dos sete salmos penitenciais (6, 32, 38, 51, 102, 130, 143) – provavelmente o mais famoso deles –, é um exemplo ideal do que significa “mudança de atitude”. Seu escritor, o rei Davi, sofre uma grande transformação que merece ser observada com atenção. 
A primeira implicação é a consciência da condição pecadora do homem. Davi, logo após ser admoestado por Natã, fez o que cabe a todo homem que busca o Senhor ao se ver em pecado: reconhecer seu erro em lugar de racionalizar a situação ou inventar desculpas para fingir que não pecou. Davi diz (v.4): “Contra ti, contra ti somente, eu pequei e fiz o que é mal aos teus olhos”. Ao dizer que pecou somente contra Deus, a ideia não é sugerir que não pecou contra Bate-Seba ou, pior, contra Urias. A intenção é mostrar que seus atos de pecado feriram, primeiro, o seu relacionamento com Deus. O pecado é pecado porque Deus é santo e contrário ao mal. Isso, obviamente, desarma qualquer pessoa que peque contra outrem ou que mantenha mágoas dos irmãos, que, ao mesmo tempo, queira afirmar que mantém sua comunhão com Deus. Davi desiste de se defender desse modo falso porque, ao ser acusado de pecado, ele se lembra que sua pecaminosidade não pode ser negada, visto que a tem desde o nascimento (v.5): “Eis que eu nasci com iniquidade e minha mãe me concebeu com pecado”. Tal afirmação levanta a questão da transmissão do pecado. Segundo afirma o salmista, o pecado não está presente no homem apenas quando, conscientemente, ele realiza um ato de pecado, como diz a linha doutrinária conhecida pelo termo “pelagianismo”. Segundo diz o texto, desde a concepção, o pecado já está presente nos seres humanos. Essa realidade se perfaz desde os nascimentos dos filhos do primeiro casal e, a partir de então, aos filhos de todos os casais, visto que todos são pecadores e ninguém há sem iniquidade (Rm 3.10-12; 5.12). Enquanto as Escrituras dizem que Adão e Eva foram feitos “à imagem de Deus” (Gn 5.1,2), seu pecado provocou uma transformação tão profunda em sua natureza que seus filhos, a partir de então, não nasceram à imagem de Deus, mas à imagem de Adão, homem pecador que era (Gn 5.3).
A segunda implicação é a necessidade do perdão e da restauração. Vendo sua condição pecaminosa, o homem olha para seus atos de pecados e não os acha naturais, mas transgressões que ofendem o santo Deus. Por isso, busca o perdão divino e uma mudança que o faça, novamente, ter comunhão plena com o Senhor. A exemplo de Davi, ele roga (vv.1,2): “Apaga as minhas culpas, lava-me completamente da minha iniquidade e purifica-me do meu pecado”.
A terceira implicação é o sofrimento como consequência do pecado. Para o servo de Deus o pecado é fonte de dor por dois motivos. O primeiro é porque ele causa consequências que fazem sofrer (Tg 1.15). O segundo, porque o pecador perde seu contato próximo com o Senhor, o qual não suporta o pecado e não fica alheio a ele (Is 59.1,2). A tristeza pelo pecado era tanta que lhe parecia que seus ossos estavam esmigalhados. E pede pela restauração da alegria. O fato é que o pecado causa sofrimento a quem quer seguir a Deus.
A quarta é a certeza de restauração para quem se arrepende. Apesar de conhecer seu pecado (v.3), Davi sabia que, com o coração contrito, podia recorrer a Deus a fim de ser perdoado e restaurado. Ele conhecia o caráter transformador do Deus a quem servia. Assim, demonstra confiança em sua oração quando pede que Deus lhe execute uma mudança profunda (vv.10,12): “Cria em mim um coração puro, ó Deus, e renova no meu íntimo um espírito estável... Recobra em mim a alegria da tua salvação e mantém em mim um espírito enobrecido”. Com os benefícios das respostas da oração que dirige a Deus, o salmista não apenas é perdoado, mas volta à ativa como um servo útil na obra de Deus.
A última implicação é a possibilidade de adorar ao Deus perdoador. Ninguém deve buscar o pecado para, perdoado pelo Senhor, mostrar a todos a graça de Deus que supera a maldade do servo (Rm 6.1,2). Entretanto, o fato de sermos perdoados deve, sim, ser motivo tanto de louvor a Deus como de testemunho público do amor do Senhor pelos que lhe pertencem. É por isso que Davi, mesmo sabendo do seu pecado e da necessidade que tinha de perdão e restauração que só podiam vir de Deus, se antecipa e anuncia o que fará (v.13): “Eu ensinarei aos rebeldes os teus caminhos e os pecadores se voltarão para ti”. O efeito de tal anúncio parece encontrar seu par na vida dos israelitas de aí por diante (vv.18,19).
Apesar da antiguidade do salmo, sua atualidade e utilidade não podem ser, de modo algum, desprezadas. O pecado, tanto no mundo antigo como no moderno, quebra a comunhão do servo com seu Deus e causa sofrimento ao que peca e a quem é alvo do ato do pecado. Temos de, como igreja de Deus, recorrer sempre à promessa de perdão e de purificação por meio da obra redentora do Senhor Jesus Cristo (1Jo 1.9). Ninguém sabe tão bem o valor de tal promessa como aquele que quer ser fiel a Deus. De coração ele busca o perdão, já que (v.17) “sacrifícios a Deus são o espírito quebrantado; Deus não despreza um coração quebrantado e abatido”.
Texto extraído de Pr. Thomas Tronco